terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A História Hippie

A História Hippie

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Em todas as épocas, sempre ouviu-se falar de rebeldia, de delinqüentes, de desajustados. Nos anos 60 não poderia ser diferente. Porém, de braços dados a essa rebeldia, havia um potencial criativo, um poder, um idealismo marcante e abrangente, uma força como nunca na história da humanidade os jovens haviam experimentado. Essa década "mágica" foi embalada pelo psicodelismo do rock, das drogas e, ao mesmo tempo, talvez em contradição, pelo culto aos velhos valores.
Os beatniks
Pelos anos 50, em pleno pós-guerra, havia um certo sentimento de insatisfação entre os jovens. Nem todos estavam dispostos a assumir os papéis costumeiros na sociedade. Mais especificamente nos Estados Unidos, uma parte dos jovens não tinha interesse em dar continuidade ao estilo de vida medíocre e superficial de seus pais, na qual, a aquisição de coisas desnecessárias era a razão da existência. Eles estavam em busca de uma verdadeira liberdade, de emoções diferentes, sensações novas.
Como conseqüência dessa insatisfação e por não acreditarem que as coisas fossem melhorar, ele mandavam tudo para o diabo, ficavam "pirados" com álcool ou drogas e botavam o pé na estrada em busca de aventura, viajando de carona através do país, inclusive pela Rota 66. Eles fariam parte da chamada geração "beat", mais tarde batizados de "beatniks".



Por possuir uma linguagem muito própria, o movimento beat gerou um estilo de literatura bem particular, caracterizado por uma maneira bem solta de escrever, esquecendo regras, usando gírias e criando termos.
Entre os escritores que se destacaram nesse período, estão Allen Ginsberg, autor de "Howl", poema escrito com doses de erotismo e obscenidade que fizeram de Allen um símbolo mundial de depravação sexual; e Jack Kerouac, consagrado como o grande ícone da geração beat e celebrizado por seu livro "Pé na Estrada", considerado a bíblia dos beatniks, onde ele conta as suas aventuras e de seus amigos cruzando a América de costa a costa. Apesar de ter as suas raízes em Nova Iorque, o movimento espalhou-se, chegando a criar um reduto próprio na cidade de San Francisco, no bairro de North Beach.



San Francisco
Em San Francisco, já nos primeiros anos da década de 60, a cena começava a se modificar. Como resultado de uma educação liberal, que estimulava a capacidade de expressão, os jovens passaram a ser mais críticos e contestadores, exigindo soluções para os problemas que os rodeavam. Eles acreditavam conseguir modificar a sociedade moderna, criando o paraíso dos sonhos, baseado apenas no amor, na arte, no êxtase. Queriam acabar com a pobreza e o racismo, denunciar a poluição atmosférica, se libertar da inveja e da cobiça. Essa foi a semente do movimento hippie. Os hippies eram uma espécie de "versão em cores" dos beatniks, pois também estavam insatisfeitos com a sociedade, porém acreditavam em seus "sonhos dourados"
Por essa mesma época, existia em San Francisco uma comunidade urbana chamada The Family Dog, que foi responsável por um grande acontecimento: a organização do primeiro baile de rock da cidade, realizado em 16 de outubro de 1965, no Longshoreman's Hall, com quatro bandas locais. Pouco depois desse grandioso evento, San Francisco já estava mudada. O bairro quente deixou de ser o boêmio North Beach, reduto dos beatniks, e passou a ser a área em volta da esquina das ruas Haight com Ashbury, um velho gueto negro que os jovens redecoraram com cores psicodélicas, incenso, roupas e jóias orientais, criando uma comunidade.
O pessoal do Grateful Dead morava no nº 710 da rua Ashbury

No apogeu da comunidade de Haight-Ashbury, a principal droga consumida era o poderoso ácido lisérgico, conhecido como LSD que, apesar de já haver na época registros de inúmeros casos de morte por overdose, o seu uso vinha sendo defendido publicamente por Timothy Leary, entre outros artistas e personalidades.
Flower Child



San Francisco tinha agora o seu som próprio. Eram os blues, que falavam da dor e davam voz às suas frustrações. Os blues amplificados, elétricos, gritantes, sem polimento, coloridos pelo LSD, acompanhados de luzes e visuais psicodélicos. Ao lado disso, inúmeras filosofias e crenças eram "desenterradas". Velhos ideais de vida comunitária e amor livre coexistiam pacificamente com crenças ancestrais (astrologia, tarô, magia) e com as mais exóticas religiões orientais (budismo, taoísmo), além da revalorização do cristianismo original, expressa nas figuras de São Francisco de Assis e Cristo (começavam a surgir os "Jesus Freaks": jovens que seguiam os ideais de Jesus, aliados à filosofia hippie), lado a lado com rituais primitivos dos índios americanos e dos africanos. Os Hare Krishna também ganhavam força. Havia uma nova indagação para a espiritualidade...

Psicodelismo
Em 1966, com o fim da The Family Dog, os bailes de San Francisco passaram a ser organizados por Bill Graham, dono do Filmore Auditorium, que seria o templo do rock dos anos 60; e por Chet Helms, dono do Salão Avalon e que mandou buscar do Texas a sua velha amiga, até então desconhecida Janis Joplin, para a ser a cantora do conjunto da casa, o Big Brother and the Holding Company. Em pouco tempo, os grupos de rock de San Francisco (que eram pouco mais de meia dúzia) passaram a se multiplicar, chegando, no final de 1966, a aproximadamente 1.500, todos sob a influência do blues.



Em janeiro de 1967 (que ficou conhecido como o ano da flor), os hippies da cidade mostraram a sua força ao convocarem uma "Reunião de Tribos" no Golden Gate Park para o chamado World's First Human Be-In, que teve a presença de cerca de 20 mil jovens cantando e dançando, cobertos de flores, de colares e pulseiras de contas. Compareceram também Timothy Leary, o papa do LSD, o poeta beat Allen Ginsberg, além de outros novos gurus. A partir daí, profetizou-se que 100 mil hippies ou flower children ("filhos da flor", como se intitulavam) invadiriam a cidade de San Francisco em junho, para o chamado Verão do Amor. Uma grande publicidade para o Verão do Amor foi a música "San Francisco", gravada pelo cantor Scott McKenzie. A música, composta por John Phillips (dos Mamas and Papas), recomendava a quem fosse a San Francisco que não esquecesse de colocar flores nos cabelos. A música se tornaria o hino daquele ano...

Na verdade, os cem mil jovens esperados não chegaram a San Francisco de uma só vez, mas estiveram lá no decorrer daquele verão. Eles exigiam das autoridades casa, comida e assistência médica. Além disso, a Comissão de Parques liberou algumas áreas em torno de Haight-Ashbury para sacos-de-dormir. Da noite para o dia, a cidade ganhou fama (nacional e internacional) de capital mundial dos hippies, o que acabou atraindo turistas de vários lugares.
Diante da exploração turística, muitos hippies deixaram Haight-Ashbury e foram viver em comunidades rurais. O que aconteceu naquele verão em San Francisco foi um reflexo do que estava acontecendo, ou iria acontecer, em quase todas as cidades do mundo industrializado.
Uma "estranha" comunidade no Novo México...

Por essa mesma época, próximo de San Francisco, acontecia o Monterey Pop Festival (16 a 18 de junho de 1967), o primeiro grande festival de rock. Graças à cobertura dada ao festival, os hippies e seus melhores grupos de rock ganharam fama internacional. Embora fossem esperadas 7.100 pessoas, Monterey acabou acolhendo mais de 50 mil, a maioria sem ingresso, mas fiéis ao slogan do festival: "Música, amor e flores". Mais importante do que tudo isso, é que através de Monterey, o mundo assistiu ao nascimento instantâneo de duas estrelas do rock: Janis Joplin e Jimi Hendrix.

Mais dois acontecimentos ainda marcariam aquele período. O primeiro foi o lançamento do disco Sergeant Pepper's, considerado o "divisor de águas" da obra dos Beatles. A partir desse álbum, eles abandonavam de vez a imagem de adolescentes e firmavam-se como músicos criativos (parte de sua criatividade era atribuída ao uso do LSD).
O segundo acontecimento, também envolvendo os Beatles, foi um especial de televisão transmitido para 200 milhões de pessoas em vários países pelo novo sistema via satélite, onde eles cantaram "All You Need is Love", cuja letra dizia que tudo era possível, desde que existisse amor.
Apesar de caracterizada principalmente pela busca do prazer, a utopia hippie não deixava lugar para injustiças sociais e opressão. Em novembro de 1967, muitos participaram da Marcha ao Pentágono, que foi um dos maiores confrontos entre estudantes e a força militar. O fato anunciava que o ano de 1968 seria essencialmente político. E foi...

A insatisfação que existia entre os negros aumentou ainda mais após o assassinato do Reverendo Martin Luther King, em abril, dando força ao Black Power e aos Panteras Negras, que defendiam a luta armada. Crescia a resistência ao serviço militar e à guerra do Vietnã. No mundo inteiro eram feitas manifestações nas universidades e nas ruas. Protestos durante a convenção do Partido Democrata em Chicago, se transformaram numa batalha entre jovens e policiais.
No verão de 1969, tentando transformar seus sonhos em realidade e pôr a sua utopia em prática, estudantes e voluntários ocuparam um terreno abandonado da Universidade de Berkeley e o transformaram num parque público, com jardins, playgrounds para as crianças, fontes d'água e concertos de rock. Era o People's Park, o Parque do Povo. Vendo isso como uma ameaça ao Sistema, que já se sentia vulnerável, o governador Reagan da Califórnia (anos mais tarde presidente dos Estados Unidos) convocou a polícia e a Guarda Nacional para "resolver" a situação.

Com paus e pedras ou até de mãos limpas, os jovens afrontaram as forças da repressão... O People's Park foi arrasado e transformado em estacionamento de veículos... Um estudante foi morto... Sobraram apenas alguns panfletos que os jovens distribuíam, onde eles apresentavam suas propostas... ou sonhos?
Mas o ano de 1969 seria marcado pelo Festival de Woodstock, o maior de todos os festivais de rock, realizado no fim de semana de 15 a 17 de agosto, um mês depois do homem ter pisado na lua. O evento se chamava Woodstock Music & Art Fair, subtitulado "Primeira Exposição Aquariana". Seu slogan "três dias de paz e música" logo foi modificado para "três dias de paz e amor". O valor do ingresso para o fim de semana era 18 dólares, mas a maior parte do público invadiu o local derrubando as cercas (como pode ser visto no filme "Woodstock" de Michael Wadleigh).
Dia e noite, sob sol ou chuva, a música rolou quase sem parar para meio milhão de jovens, (veja os números de Woodstock) com um cast de artistas que formavam um verdadeiro quem é quem.

Quem é Quem do rock.

Na manhã de segunda feira, dia 18 de agosto, sob um imenso sol alaranjado, Jimi Hendrix sobe ao palco, brindando aqueles que ainda não tinham ido embora do local, com sua interpretação do hino nacional dos EUA, "The Star Spangled Banner", arrancando de sua guitarra explosões de bombas, granadas, rajadas de metralhadoras e roncos de helicópteros, numa clara alusão à guerra do Vietnã.
Woodstock foi como uma cerimônia de sagração da contracultura. Aqueles que tiveram o privilégio de viver o festival de perto, saíram sentindo-se ungidos de santidade. Ainda haveriam outros festivais (como o de Altamont, com 300 mil pessoas), mas nenhum com a força de um Woodstock.



Woodstock parecia uma antevisão da utópica sociedade hippie. A engrenagem social era bem mais complexa do que podia-se imaginar, mas, no final de tudo, apesar do sistema tentar "devorá-los", o mundo nunca mais seria o mesmo. À medida em que ia absorvendo todas as novas idéias, o próprio sistema também se modificava. A geração que acreditou ser capaz de parar uma guerra e mudar o mundo, deixou uma semente que acabaria sendo lançada aos quatro ventos, indo refletir-se nos lugares mais longínquos do globo. Uma nova moral, uma nova ética, novos valores haviam sido cultivados na cabeça das pessoas, graças àqueles jovens dos anos 60. Essa semente está presente ainda hoje dentro de cada um que se permita sonhar e acreditar na realização de seu sonho. Aliás, o sonho não acabou...





2 comentários:

Tr0ll disse...

foda essa revista em quadrinhos cara!

-o pior é que se todo mundo pudesse fumar sem nóia seria melhor msm...

Anônimo disse...

Que bela descrição desses anos, dessa época... tão importante e, afinal, revestida de um conteúdo e de uma consciência tão necessárias e esquecidas nos dias de hoje.

Falta idealismo e vontade, falta acreditar mais na capacidade de todos unidos do que no salário miserável do fim do mês.

Falta muita coisa. O Mundo já passou por isso e esqueceu-se como a juventude é forte e destemida.

Por isso é bom lembrar, continue, muito bem. :)