O termo, cunhado por André Breton (1896-1966) a partir da idéia de 'estado de fantasia supernaturalista' de Guillaume Apollinaire (1880-1918), traz consigo um sentido de afastamento da realidade ordinária que o movimento surrealista celebra desde o primeiro manifesto, de 1924. Nos termos de Breton, autor do manifesto, trata-se de 'resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma supra-realidade'. A importância do mundo onírico, do irracional e do inconsciente, anunciada já no texto inaugural, se relaciona diretamente ao uso livre que os artistas fazem da obra de Sigmund Freud (1856-1939) e da psicanálise, permitindo-lhes explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente. O caráter anti-racionalista do surrealismo coloca-o nas antípodas das tendências construtivas e formalistas na arte que florescem na Europa após a 1ª Guerra Mundial, assim como das tendências ligadas ao chamado retorno à ordem. Como vertente crítica de origem francesa, o surrealismo aparece como alternativa ao cubismo, alimentado pela retomada das matrizes românticas francesa e alemã, do simbolismo, da pintura metafísica italiana - Giorgio de Chirico (1888-1978), sobretudo - e do caráter irreverente e dessacralizador do dadaísmo, de onde vieram parte dos surrealistas. Como o movimento dada, o surrealismo apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Na contestação radical de valores que empreende, faz uso de variados canais de expressão - revistas, manifestos, exposições etc. - mobilizando diferentes modalidades artísticas: escultura, literatura, pintura, fotografia, artes gráficas e cinema.
A crítica à racionalidade burguesa em favor do 'maravilhoso', do fantástico e dos sonhos, reúne artistas de feições muito variadas sob o mesmo rótulo. Na literatura, além de Breton, Louis Aragon (1897-1982), Philippe Soupault (1897-1990), Georges Bataille (1987-1962), Michel Leiris (1901-1990), Max Jacob (1876-1944) etc. Nas artes plásticas, René Magritte (1898-1967), André Masson (1896-1987), Joán Miro (1893-1983), Max Ernst (1891-1976), Salvador Dali (1904-1989), entre outros. Na fotografia, Man Ray (1890-1976), Dora Maar (1907-1997), Brasaï (1899-1984). No cinema, Luis Buñuel (1900-1983). Certos temas e imagens foram obsessivamente tratados por eles, ainda que a partir de soluções distintas, como por exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas e o mundo da máquina. Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por meio de procedimentos e métodos pensados como capazes de driblar os controles conscientes do artista e, portanto, responsáveis pela liberação de imagens e impulsos primitivos. A escrita e a pintura automáticas, fartamente utilizados, seriam formas de transcrição automática do inconsciente, pela expressão do 'funcionamento real do pensamento' (por exemplo, os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy (1900-1955), Miró e Max Morise (1903-1973), sob o título O cadáver requintado). A frottage [fricção] desenvolvida por M. Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para 'provocar' imagens, resultados aleatórios do processo (por exemplo, a série de desenhos História natural, realizada entre 1924 e 1927).
As colagens e assemblages constituem mais uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na idéia de acaso e de escolha aleatória, princípio central de criação já para os dadaístas. A célebre frase de Lautrémont é tomada como inspiração forte: 'belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção'. A sugestão do escritor se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à primeira vista impossíveis que particularizam as colagens e objetos surrealistas. Que dizer de um ferro de passar cheio de pregos, de uma xícara de chá coberta de peles ou de uma bola suspensa por corda de violino? Dalí radicaliza a idéia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional pela defesa do método da 'paranóia crítica', forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador. A crítica cultural empreendida pelos surrealistas, baseada nas articulações arte/inconsciente e arte/política, deixa entrever sua ambição revolucionária e subversiva, amparada na psicanálise - contra a repressão dos instintos - e na idéia de revolução oriunda do marxismo (contra a dominação burguesa). As relações controversas do grupo com a política aparecem na adesão de alguns ao trotskismo (Breton, por exemplo) e nas posições reacionárias de outros, como Dalí.
A difusão do surrealismo pela Europa e Estados Unidos faz-se rapidamente. É possível rastreá-la em esculturas de artistas díspares como Alberto Giacometti (1901-1966), Alexander Calder (1898-1976), Hans Arp (1886-1966) e Henry Spencer Moore (1898-1986). Na Bélgica, Romênia e Alemanha ecos surrealistas vibram em obras de Paul Delvaux (1897-1994), Victor Brauner (1903-1966) e Hans Bellmer (1902-1975), respectivamente. Em solo americano, o chileno Roberto Matta (1911) e o cubano Wifredo Lam (1902-1982) devem ser lembrados como afinados com o movimento. Nos Estados Unidos, o surrealismo é fonte de inspiração para o expressionismo abstrato e para a arte pop. No Brasil especificamente o surrealismo reverbera em obras variadas como as de Ismael Nery (1900-1934) e Cicero Dias (1907-2003), assim como nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893-1953). Nos nossos dias vários artistas continuam a tirar proveito das lições surrealistas.